em aventureiro Passeio de Natal Moto Clube do Porto/MotoTrofa
Pouco passava das 7 horas, naquele momento mágico que o breu da noite dá lugar à revitalizante luz matinal, e já havia uma moto parada diante da MotoTrofa. Normal, pensarão! Afinal, que surpresa pode existir em ver uma moto diante de um stand… de motos? Bom, visto por esse prisma, nenhuma. Mas a verdade é que nem o organizador do Passeio de Natal MCP/MotoTrofa tinha chegado nem o conhecido espaço comercial trofense tinha aberto as portas e já havia participantes – por acaso UMA valente motociclista, a Maria José Ribeiro – ‘em pulgas’ com o mais gastronómico evento do preenchido calendário anual do clube.
Cativados pelas doces promessas ao longo de um dia de sabores intensos, uma centena de sócios e amigos do MCP e clientes da MotoTrofa trataram de marcar lugar na já tradicional rota Em Busca dos Sabores, esgotando lista que limitações de espaço do restaurante restringiu exatamente a 100 pessoas. E que obrigou a deixar de fora alguns candidatos, mesmo se no dia, por contratempos diversos ou simplesmente acovardados perante ameaças de uns pingos de chuva, alguns decidiram trocar um dia de puro prazer turístico pela comodidade do sofá. Os que ousaram desafiar as titubeantes previsões meteorológicas foram brindados, desde logo, com os primeiros paladares de um dia que prometia ser exigente… para o estomago.
A começar pelo já famoso Bolo da Trofa com receita original da Confeitaria Miranda e que, desde 2014, é denominador comum deste passeio. Com receita de grande simplicidade, juntando farinha, alguns ovos e frutas cristalizadas é criado uma espécie de bolo-rei, de grande leveza, frescura e inconfundível paladar. E que foi acompanhado pelo tradicional Bolo-Rei e por inovador Bolo-Rei de chocolate, acompanhados por sumos, águas e bem quente café, aconchegando a barriga e a alma antes do arranque para os mais de 200 quilómetros de variadas paisagens.
Por montes e vales rumo à aldeia encantada de Quintandona
Primeiro, a saída da Trofa tentando escapar às zonas industriais que sustentam um dos concelhos mais produtivos do País, levando a caravana por estradinhas menos usuais, atravessando a serra da Agrela rumo a outra maciço montanhoso, o de Valongo, onde se encontra Quintandona. Belíssima aldeia em vale que faz transição entre solos graníticos, a norte, e xistosos, a sul, e que a todos proporcionou enorme surpresa. Afinal, um paraíso desconhecido a poucos minutos de grandes centros urbanos, que o contagiante entusiasmo do sr. Belmiro Barbosa ajudou a recuperar, criando as bases de projeto que continua a crescer rumo à desejada sustentabilidade. Provando assim que é possível viver, com toda qualidade e conforto, numa aldeia. Curta explicação sobre a história do lugar antes de breve reconhecimento através das inconfundíveis casas de xisto, com a promessa de voltar com mais tempo para descobrir recantos verdadeiramente únicos e festas de sabor inconfundível, como forma de ganhar apetite para as obras de arte da D.ª Maria José. Doceira penafidelense de ‘mão cheia’ e reconhecidos méritos que surpreendeu com o pão-podre, doce tradicional da Páscoa, feito com ovos, farinha, açúcar, manteiga, limão, canela, e que tem a particularidade de ficar a levedar de um dia para o outro ganhando assim o curioso nome, e com os docinhos de Penafiel. Pequenos, redondos, fofinhos e açucarados, têm ovo, açúcar e farinha, e são cozidos em forno de lenha antes de serem delicadamente cobertos por calda de açúcar. Comem-se de uma só dentada, um a seguir ao outro, e muitos foram os que optaram por levar para casa umas quantas caixas para degustar com família e amigos, o mesmo acontecendo com as Tortas de S. Martinho. Surpresa enorme, com recheio de carne picada envolto em massa folhada que é passada por açúcar e canela. Receita centenária – terá sido criada por António Bento, em finais do século XIX – que casou na perfeição com jeropiga, néctar de eleição do S. Martinho, única altura do ano em que estes pastéis agridoces eram confecionados.
Pela Rota do Românico até à agreste serra do Montemuro
Com alguma renitência mas à horinha marcada, lá arrancou o pelotão para as muitas curvas até à travessia do rio Douro em Entre-os-Rios, seguindo a Rota do Românico em direção a Cinfães e daí, atravessando a serra de Montemuro, rumo a Mezio, um pouco a Norte de Castro Daire. Curvas aqui e ali refrescadas por umas quantas (poucas) gotas de chuva que, sem intimidarem passeantes, eram por todos vistas com agrado, esperando por um ponto final neste atemorizante período de seca. Pior para os sentidos, o enorme manto de nevoeiro que roubou alguma da espetacularidade da serra partilhada pelos distritos de Aveiro e Viseu. Mas não minguou apetite para as iguarias anunciadas no Restaurante Típico do Mezio, a começar pela moira cozida e bola de carne que se destacavam entre os rissóis, croquetes, bolinhos de bacalhau e azeitonas que compunham as entradas. Preparação para o fabuloso arroz de feijão com salpicão, saído mãos de Filomena Morgado, cozinheira que interpretou na perfeição a ‘muy antiga’ receita que junta um dos produtos mais cultivados na região, o feijão, com o salpicão tão típico do fumeiro do Mezio. Delícia regional que não chegou sozinha à mesa, logo acompanhada pela tenra e saborosa vitelinha no forno e não menos típicos torresmos com batata cozida e legumes. Capazes de vencer o mais insaciável dos apetites não foram, porém, de derrotar a gulodice dos convivas, que não conseguiram resistir às sobremesas. A verdade é que ninguém fez grande esforço para isso mas também quem poderia ficar indiferente a tão cativante pudim caseiro ou às fritas de abóbora, essa especialidade natalícia feita a partir de abóbora cozida, a que se junta ovos, açúcar, farinha e canela em pitéu de doce genuinidade?
Servido o café na companhia de um voucher com desconto de 20% em equipamento da BMW, oferecido pela MT Motor do Grupo MotoTrofa, nada como a visita à Associação Etnográfica do Montemuro e Cooperativa de Artesão do Montemuro para ajudar na digestão. Entidade fundada em 1981 ‘pelas professoras Dolores e Ana e as doutoras Mariazinha e Celina’ com o objetivo de preservar e dar a conhecer o modo de vida tradicional, o quotidiano dos camponeses e pastores. Exposição de olaria (barro preto), cestaria em palha e silva, tecelagem de trapos, colchas de cama em lã, burel (capuchas e outros vestuários), o linho e todo o seu ciclo (nesta instituição existe o único pisão da região) ou os tamancos entre outros. Espaço mostrado de forma entusiástica por António Quintans Magalhães onde, além da exposição, existem oficinas onde são elaborados todos os artefactos expostos e que se puderam adquirir na loja que ajuda a manter viva a associação.
As curvas da mítica N2 para ajudar à digestão
Visita que foi primeiro passo de digestão que prosseguiria até à Régua, através das sempre deliciosas curvas da N2, em momentos de prazer de condução na estrada património antes da paragem no novíssimo e espetacular Auditório Municipal do Peso da Régua. Nova surpresa com animada receção musical a cargo do Rancho Folclórico e Recreativo de Godim antes de uma pequena explicação sobre o novo espaço a cargo da Dr.ª Ermelinda Gonçalves, responsável pelo AUDIR, enquanto se subia ao 2.º andar do moderno e polivalente edifício, para, claro está, mais uma saborosa descoberta. Ou duas, vá. Que, por acaso, até foram três!
Criação da D.ª Maria do Céu Pires, as Ferreirinhas são doce típico que junta uva passa, pinhão, amêndoa, chila e Vinho do Porto, sabores que o tempo acentua e que, por isso mesmo, aconselham o consumo alguns dias depois de serem confecionadas. Com designação que é homenagem a D.ª Antónia Adelaide Ferreira, figura icónica da região duriense, tem sabor incomparável quando acompanhadas por um cálice de Vinho do Porto, sobretudo se for um Porto Réccua branco como o que fez muitos abrir a boca de espanto. O Vinho do Porto é, aliás e como nem poderia deixar de ser, protagonista maior das produções culinárias de região, surgindo, uma vez mais, nas Régulas. Doce que celebra os 20 anos da elevação do Peso da Régua a cidade com designação que é alusão histórica à origem do seu nome, e que junta ainda ovos moles e avelã dentro de suave massa folhada sendo a canela um condimento aromatizante facultativo.
Aventura extra em divertido final de tarde
Ainda com luz do dia – apesar da curta duração dos mesmos nesta altura do ano e das nuvens que teimaram em acompanhar toda a expedição mas sem cumprir ameaças de grande chuvada – subiu-se da Régua a Amarante, através de Mesão Frio e da recurvada e sempre desafiante Nacional 101. O destino, a Quinta da Pousadela, estava próximo, bandeirada final de passeio que a todos vinha enchendo as medidas e que mais animado ficou. Fugindo à vulgaridade de algumas pouco interessantes estradas nacionais, o percurso rumou a quelhos e veredas, com paisagens de marcante ruralidade e algumas centenas de metros em piso de terra. Momento de pura adrenalina para muitos homens de barba rija que enfrentaram os Adamastores do ‘off-road’, com incursões em terrenos enlameados (sim, havia um lago com terra húmida e com uma extensão de cerca de 50 ou 60…centímetros!!!) além das enormes subidas para ultrapassar duas lombas do tamanho de um bolo-rei. Com ‘medo aos lobos’ onde já haviam passado todas as pequenas scooters de 125 cc que ousaram fazer este passeio e várias das condutoras, causaram pequeno atraso no programa, depois das enormes provações, momentos assustadores, que separaram o trigo do joio, levando a que só os mais afoitos conseguissem chegar a horas à Quinta da Pousadela. E foi no Turismo Rural que resultou da bem conseguida recuperação de uma antiga aldeia abandonada, encetada por Rita Sá e Paulo Amado, que, ainda antes do sorteio de práticos brindes e magníficas prendas da MotoTrofa, o Pai Natal aproveitou para, juntamente com alguns aventureiros destemidos, degustar a excelente colheita de 2015 do verde branco aromático e frutado, produzido nas vinhas locais, com recurso exclusivo à casta Arinto.
Aconchegante final de festa, ainda a tempo de permitir aos viajantes de apetite mais generoso chegar a horas ao Tasco. Quanto ao Pai Natal por lá ficou, à espera da “Ana” essa tempestade que a todos intimidou mas que, felizmente, deve ter perdido o comboio, chegando atrasado ao Passeio de Natal Moto Clube do Porto/MotoTrofa só aparecendo no dia seguinte.